LUCIANA TONELLI
( MINAS GERAIS – MINAS GERAIS)
Luciana Tonelli (Belo Horizonte, 1967) formou-se em Jornalismo pela PUC-Minas, trabalhando com reportagem e edição no campo da cultura e suas vizinhanças.
Viveu em São Paulo por mais de uma décadas, passando a atuar na área editorial. Interessada na interface entre cultura, política e o terreno no psi, fez mestrado no Núcleo de Estudos da Subjetividade (PUC São Paulo).
Participou dos coletivos que organizaram as coleções Dez Faces (2007) e Poesia Orbital (1997), na qual estreou com Flagrantes do tempo — Poema-reportagem na Paulicéia (Petrópolis/ProAC-SP).
Atualmente vive em Belo Horizonte.
ENTRELINHAS , VERSOS CONTEMPORÂNEOS MINEIROS. Organização: Vera Casa Nova, Kaio Carmona, Marcelo Dolabela. Belo Horizonte, MG: Quixote + Do Editoras Associadas, 2020. 577 p. ISBN 978-85—66236-64—2 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Estamira
lá longe foge a paisagem
lá onde reina a ruína
lá onde a terra se rende
a encenar Hiroshima
lá, o destino de tudo
que não cabe na latrina
lá onde o lixo e o cadáver
encontram a mesma sina
lá está ela, Estamira
a receber os resíduos
a descobrir maravilhas
a desafiar o inimigo
nas mão do tremor marca o passo
do descompasso do mundo
os olhos, tela de tragédias
mantém lucidez no absurdo
na língua de foto a palavra
forja seu corte profundo
lá está ela, Estamira
combatendo na política
o canalha, o trocadilho
todos sob sua mira
lá está ela, Estamira
fazendo filosofia
não aceita deus falsário
nem receita de sofista
lá está ela, Estamira
e o retrato de família
não há remédio capaz
de aplacar sua ira
na cabeça o zum-zum o sintoma
que a levou engenho adentro
no tronco a marca do testemunho
de tantos vãos procedimentos
todo o corpo em caos em anarquia
é sistema que se autogerencia
sobre a cabeça ade Estamira ao aviões
à frente atrás por toda parte os caminhões
sob seus pés ferve o metal o gás o sal
da civilização do carnaval
em suas veia corre suficiente sangue
para fazer do urbano mangue arqueologia
descobre a lata reinaugura o alimento
ensina-nos da guerra a economia
da violência que reverbera em sua carne
sai o fomento da palavra que queima
seus olhos grandes na câmera de cinema
são roteiros roteiros filme que quer ser poema
e recita em poesia a sua ética
não gosto que ninguém ofenda cores
nem formatos
e em meio à fogueiras, afirma-se feiticeira
eu, Estamira, não vou ceder meu ser a nada
só que cantar uma velha canção do Roberto
se você pretende saber quem eu sou
sem luar, sem mata, sós sertões
entre dejetos seu desejo é trabalhar
em uma vida só perdas, nenhuma roça
viva a palhoça, viva a palhoça, ainda
e comanda o vento, e rege a tempestade
acorda a natureza derrotada
persegue cuidando dos destroços
descuido de toda uma cidade
e fala com ondas gigantescas
eu, Estamira, não concordo com a vida
e se revela frente ao mar bravio
seu sou a beira, a beira do mundo
( Festival de Inverno de Diamantina, julho de 2007 )
*
VEJA e LEIA em outros poetas de MINAS GERAIS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/minas_gerais.html
Página publicada em maio de 2024
|